Nas cidades, não somente o traçado urbano e as edificações devem ser planejados com respeito à história, tradição e características locais, mas também é fundamental considerar os equipamentos de instalação urbana. Elementos como postes de iluminação, bancos de rua e entradas de metrô precisam ser concebidos como mais do que simples estruturas utilitárias. Enquanto nos dias correntes a funcionalidade tende a ser priorizada muitas vezes em detrimento da estética, em épocas passadas, a beleza ocupava uma posição de destaque na concepção desses elementos urbanos. Basta percorrer as ruas das cidades modernas para observar a diferença: estruturas contemporâneas, muitas vezes desprovidas de detalhes, projetadas com linhas mínimas e despojadas de adornos e, acima de tudo, de beleza.
Por outro lado, se passearmos por cidades históricas, veremos que, em tempos passados, esses elementos eram projetados não apenas com vistas à sua funcionalidade, mas também à sua capacidade de transmitir beleza e valor estético às cidades, afinal de contas, eles representavam a experiência coletiva dos cidadãos. Roger Scruton, em sua defesa pela importância da beleza na vida cotidiana, salienta que “a beleza é um convite à contemplação”, ressaltando que a estética urbana influencia diretamente o sentimento de pertencimento e o bem-estar comunitário. É através dessas estruturas que se cria uma conexão entre o espaço e seus habitantes, transformando simples objetos funcionais em parte integrante da identidade urbana. Temos um exemplo icônico disso: a famosa cabine telefônica de Londres.
Francis D.K. Ching, em Arquitetura: Forma, Espaço e Ordem, explora a importância de considerar o design como um meio de agregar camadas de significado e expressão. Para Ching, os elementos do ambiente construído devem ser pensados não apenas em termos de sua utilidade, mas como componentes de um discurso visual que enriquece a paisagem urbana e a torna convidativa, tal como ele diz no trecho:
A arquitetura vai além de sua função prática; é uma arte que molda a experiência humana, promovendo uma interação significativa entre o espaço e aqueles que o habitam. Elementos projetados com atenção estética e propósito reforçam a percepção de ordem e harmonia, transformando o ambiente em um lugar que inspira e acolhe.
Os equipamentos de instalação urbana tradicionais exemplificam essa premissa, pois eram projetados com detalhes que evocavam referências históricas e culturais, contribuindo para uma estética que celebrava tanto o presente quanto a herança do passado. Em contraste, nos dias atuais, a busca pela funcionalidade e a redução de custos muitas vezes relegam a beleza a um segundo plano, resultando em estruturas que carecem de identidade e valor artístico.
No entanto, durante séculos passados, a relação entre beleza e funcionalidade era tratada de forma indissociável. Arquitetos e designers pareciam ver o potencial de cada detalhe urbano como uma oportunidade de elevação estética e cultural. A escolha dos materiais, a forma dos ornamentos e a proporção das estruturas eram deliberadamente pensadas para integrar a função com o que era bom e belo. Ao observar elementos como os bancos de Antoni Gaudí no Parc Güell ou as entradas de metrô de Hector Guimard em Paris, torna-se evidente que os equipamentos urbanos de eras anteriores não apenas atendiam a uma necessidade prática, mas também refletiam a filosofia de que a beleza é um bem público e essencial para a elevação da sociedade e a vida em comunidade.
Cabines Telefônicas: Símbolos de História e Elegância
As cabines telefônicas de Londres, projetadas pelo arquiteto Sir Giles Gilbert Scott, transcendem sua função original para se tornarem ícones culturais e até mesmo atrações turísticas. Criadas na década de 1920, cada cabine é composta de estrutura que combina simetria, proporção e cor vibrante, destacando-se no cenário da cidade. Hoje, embora em desuso e cada vez em menor número, essas cabines são preservadas como símbolos de resistência à padronização e ao desaparecimento da beleza em elementos cotidianos.
Postes de Iluminação: Iluminando a História e o Espaço
A iluminação pública tem sido uma parte essencial das cidades desde que Paris, em 1667, se tornou a primeira cidade a iluminar suas ruas com lâmpadas de óleo. No entanto, foi no século XIX que o design dos postes se tornou mais elaborado, especialmente com Gabriel-Jean-Antoine Davioud, que projetou postes de ferro fundido decorados em estilo Haussmaniano. Os postes parisienses apresentam elementos neoclássicos e Art Nouveau, como volutas, folhas de acanto e figuras mitológicas, que embelezam a cidade ao mesmo tempo em que servem à sua função primordial. Esse cuidado com a beleza e atenção aos detalhes ilustra o que Aristóteles afirmava:
A beleza é a melhor carta de recomendação; ela está na ordem, na simetria e na definição, que são elementos de máxima importância.
Bancos de Rua: Espaços de Convívio e Contemplação
Os bancos do Parc Güell, projetados por Antoni Gaudí, são um testemunho da visão de um arquiteto que via beleza e funcionalidade como inseparáveis. Gaudí acreditava que a natureza era o modelo perfeito de design, e isso é evidente nos bancos em mosaico (feito com peças cerâmicas reaproveitadas), no qual cada curva e detalhe serve para acomodar confortavelmente os visitantes enquanto os conecta à paisagem circundante.
Além dos famosos bancos do Parc Güell, Barcelona é lar de outros exemplos magníficos de mobiliário urbano em estilo Art Nouveau, muitos dos quais foram projetados por arquitetos e designers que contribuíram para a transformação estética da cidade no final do século XIX e início do século XX. Um exemplo notável são os bancos do Passeig de Gràcia, desenhados por Antoni Gaudí e Josep Maria Jujol.
Essas estruturas, que fazem parte do conjunto de elementos da reforma urbana empreendida por Ildefonso Cerdà, exemplificam a integração de funcionalidade e beleza que caracterizam a abordagem do movimento catalão. Os bancos, feitos de pedra e ferro forjado, apresentam detalhes curvilíneos e ornamentos inspirados na natureza, refletindo a influência de formas orgânicas que é central no estilo Art Nouveau. Essa atenção ao detalhe e ao design transforma um simples local de descanso em uma peça artística que dialoga com o entorno urbano, destacando a importância de considerar a estética em cada componente da paisagem urbana para enriquecer a experiência coletiva e manter viva a conexão com a cultura local.
Portais para o subterrâneo
Quando Hector Guimard projetou as entradas de metrô de Paris no início do século XX, ele estava em sintonia com o estilo Art Nouveau, que propunha que a beleza deveria permear todos os aspectos da vida, do mais grandioso ao mais banal. As entradas de Guimard são caracterizadas por suas linhas sinuosas, imitando formas vegetais, e são frequentemente adornadas com detalhes em ferro e vidro. Essas estruturas elevam a experiência de entrar no metrô a um ritual de passagem artístico e poético, um contraste marcante com a estética funcionalista que dominaria o século XX.
Além do armazenamento de água
Outro exemplo emblemático é a Torre de Água de Chicago, construída em 1869 por William W. Boyington. Esta estrutura neogótica, feita de calcário, foi projetada para parecer uma fortaleza medieval, o que contrasta dramaticamente com a funcionalidade pragmática de armazenar água.
Sobrevivendo ao Grande Incêndio de Chicago em 1871, a torre tornou-se um símbolo da resiliência da cidade e demonstra como a preocupação com a estética pode tornar uma estrutura utilitária em um marco urbano de significado histórico e visual. Como mencionado por Gombrich:
Não há dúvida de que, para os antigos mestres, a beleza não era um luxo supérfluo, mas uma necessidade essencial para a alma humana.
Reflexão Final: Beleza e Tradição como Alicerces
A presença de equipamentos urbanos que refletem beleza e tradição é um testemunho vivo do que os antigos arquitetos greco-romanos já defendiam: a beleza não é um mero adorno, mas uma necessidade essencial. Como argumenta Roger Scruton:
A perda do apreço pela beleza tem consequências não apenas estéticas, mas morais e sociais, pois viver em meio ao feio desvaloriza o espírito humano.
A beleza transforma uma cidade em um espaço que transcende o simples habitat, tornando-se um lugar com o qual as pessoas se identificam, se integram e, por fim, amam. Nos equipamentos utilitários, ela representa um convite ao cuidado, nutrindo carinho e respeito por onde vivemos. Esses elementos despertam a contemplação, promovem um diálogo com o passado e celebram o que é perene e belo na arquitetura, reforçando a conexão emocional entre a comunidade e o espaço compartilhado.
Quando os equipamentos urbanos se limitam a cumprir somente suas funções básicas, as cidades se tornam frias e desumanizadas. Como observa Alain de Botton:
Nós nos moldamos pelas imagens que vemos ao nosso redor […] Elas nos falam de ordem e caos, simpatia e hostilidade, indiferença e atenção, felicidade e tristeza.
A verdadeira beleza em equipamentos urbanos nos ensina que o cuidado e o amor por uma cidade começam nos detalhes que evocam pertencimento e respeito. Ela inspira os cidadãos a enxergarem esse espaço como uma extensão de si mesmos, despertando o desejo de proteger e preservar o que é belo. Quando a arquitetura e os elementos urbanos refletem cuidado e estética, a cidade deixa de ser apenas um cenário funcional e se transforma em um lar que acolhe, inspira e enriquece a vida de todos que nela habitam.
Referências:
1. SCRUTON, Roger. A Alma do Mundo. São Paulo: É Realizações, 2016.
2. CHING, Francis D. K. Arquitetura: Forma, Espaço e Ordem. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
3. ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Edições Loyola, 2013.
4. GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Rio de Janeiro: LTC, 2012.
5. SCRUTON, Roger. A Alma do Mundo. São Paulo: É Realizações, 2016.
6. BOTTON, Alain de. A Arquitetura da Felicidade. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2007.
Revisão do artigo: Camila Bernardino | Edição do artigo: Robertha Silveira