As Consequências Negativas da Crescente Verticalização Urbana

O texto a seguir foi extraído do livro A New Pattern Language for Growing Regions: Places, Networks, Processes, de Michael W. Mehaffy, Yulia Kryazheva, Andrew Rudd, & Nikos A. Salingaros, páginas 43-47. Portland, Oregon, USA: Sustasis Press, 2019. O título original no livro é “Level City”. A publicação no site do IBAT foi autorizada pelo um dos autores do texto, Dr. Nikos A. Salíngaros.

Figura 1 - Barcelona com a Sagrada Família ao fundo.

…Quando a região for policêntrica, procure criar variações na densidade dos edifícios, sempre seguindo um volume de construção relativamente contínuo.

Problema: Evidências indicam que uma das formas urbanas mais ideais é um volume contínuo de construções com altura entre dois e dez andares, o que podemos chamar de “cidade nivelada”. No entanto, ao longo do último meio século, muitas cidades adotaram uma forma descontínua e disruptiva, causando impactos negativos significativos a longo prazo na qualidade e eficiência de recursos na vida urbana.

Discussão: Muitas pessoas pensam que, para alcançar uma cidade compacta, sustentável e próspera, é necessário “crescer para cima” — ou seja, adotar uma morfologia urbana repleta de altos prédios. No entanto, as evidências mostram que essa visão está equivocada, pois ignora estudos que mostram os vários impactos negativos de longo prazo da verticalização. [1]

Primeiramente, é preciso reconhecer que, para muitas pessoas hoje em dia, o que vamos abordar aqui pode ser chocante e, talvez, polêmico em comparação aos outros assuntos discutidos neste livro. A prática de construir verticalmente é tão difundida, e as suposições sobre seus benefícios são tão amplamente compartilhadas, que os fatos e as evidências aqui apresentados podem causar surpresa. No entanto, acredito que devemos considerar cuidadosamente os estudos sobre esse assunto, pois os impactos futuros desse tipo de prática podem ser gigantescos.

É importante dizer que existem vantagens óbvias em prédios: eles oferecem vistas panorâmicas (quando não bloqueadas por outros edifícios), conferem status e prestígio, e criam uma marca muito visível para empresas e indivíduos que gostam de ser o centro das atenções. No entanto, os outros supostos “benefícios” comumente atribuídos aos edifícios podem ser facilmente refutados pelas evidências científicas, conforme têm mostrado nossas pesquisas dentro desse campo de estudo.[2] (Veja também FOUR-STORY LIMIT, Pattern APL 21, no livro A Pattern Language: Towns, Buildings, Construction.)

Entre as alegações mais duvidosas, estão aquelas de que os prédios, por suas numerosas unidades habitacionais, ajudam a promover o acesso à moradia. No entanto, os métodos de construção adotados em prédios estão entre os mais caros do mundo, principalmente devido aos custos associados ao sistema estrutural, requisitos de saída (espaços dedicados a escadas e elevadores) e outras despesas. Igualmente duvidosa é a afirmação de que os prédios podem ser inerentemente mais sustentáveis. Na verdade, é o contrário. O seu alto consumo energético e materiais incorporados, assim como sua maior exposição ao ganho e perda de calor e sistemas mecânicos com ciclo de vida curto, normalmente com alta manutenção, acabam exigindo revisões frequentes e, na maior parte das vezes, custosas.

Para ser sincero, a maior parte dessas alegações estão baseadas em uma falácia: a de que os prédios são necessários para alcançar densidades mais elevadas. No entanto, também existem abundantes evidências para refutar esse argumento. Como concluiu um relatório de investigação da Câmara dos Comuns do Reino Unido, edifícios altos “não alcançam necessariamente densidades mais altas do que empreendimentos de médio ou baixo porte e, em alguns casos, fazem até mesmo um uso menos eficiente do espaço… Os prédios estão mais frequentemente relacionados a pujança, prestígio, status e plástica do que ao desenvolvimento eficiente”.[3]

Fig. 2: Três diferentes morfologias urbanas com alturas distintas — no entanto, todas alcançam exatamente a mesma densidade. Muitas pessoas se esquecem de que os prédios são frequentemente posicionados de maneira muito irregular, geralmente entre grandes áreas não caminháveis de espaços verdes, estacionamentos ou prédios baixos, com pouco ou nenhum aumento líquido na densidade em relação a outras possibilidades de projeto. © UK Urban Design Task Force, 1999 – Imagem traduzida pelo IBAT.

A mesma pesquisa também mostra que existem muitos outros aspectos negativos relacionados aos prédios, incluindo impactos ambientais em edifícios e espaços públicos adjacentes (sombreamento, poluição visual, efeitos do vento, perda da experiência em escala humana); impactos sociais (menos contato entre as pessoas, térreo sem fachada ativa, etc.) e impactos econômicos (aumento dos custos de manutenção ao longo do tempo, obsolescência de modas arquitetônicas, dificuldade de venda no mercado, abandono/vandalismo, etc.).[4]

Uma das evidências mais preocupantes contra prédios residenciais é o recente surgimento de impactos psicológicos, especialmente em crianças. Os efeitos negativos incluem níveis mais altos de depressão e comportamento antissocial, prejudicando significativamente o desenvolvimento infantil.[5]

Parece verdade o fato de que os altos prédios permitem que algumas pessoas e empresas atinjam um tom de superioridade sobre a cidade, expressando sua dominação social e econômica. Entretanto, em algum momento, essa concentração de riqueza pode ser prejudicial, aumentando as desigualdades e instabilidades. Uma cidade mais nivelada (mantida por códigos de zoneamento, incentivos e desincentivos, ou uma combinação de ambos) tem o potencial de oferecer um ambiente urbano mais equitativo e distribuído de maneira mais justa.

Isso não implica necessariamente que uma alta densidade seja indesejável, mas também não sugere que sempre precisamos caminhar nessa direção. Na verdade, as melhores cidades oferecem uma variedade de densidades, que geralmente aumentam em direção aos centros regionais, mas têm muitas variações ou “anéis de densidade” em toda a região. Por exemplo, uma “região policêntrica” terá muitos anéis de densidade, com opções para atender as diferentes fases da vida (crianças, casais, solteiros, idosos etc.), assim como outras necessidades (centros movimentados, áreas mais tranquilas, etc.).

Por fim, é importante destacar que alguns prédios têm um papel importante como marcos visuais na cidade e como monumentos que expressam a vida citadina. Esse tipo de estrutura deve ser projetado da melhor forma possível, tendo um caráter cívico, ocupando lugares de destaque em espaços públicos, tais como a Torre Eiffel de Paris e a Catedral da Sagrada Família de Barcelona (vista na foto no início deste texto), sendo este último edifício um exemplo de experiência espiritual compartilhada. 

Sendo assim: 

Procure manter um limite de altura dos prédios, geralmente não superior a dez andares, junto com incentivos para maximizar o preenchimento dos terrenos onde essas estruturas serão construídas, visando criar uma morfologia urbana contínua e eficiente. Estruturas mais altas são bem-vindas quando forem monumentos cívicos, edifícios de uso público ou quando auxiliarem na orientação das pessoas. Promova variações na densidade, garantindo ao mesmo tempo uma trama urbana contínua e propícia para caminhadas.

[1] Ver por exemplo Alterman, R. and Mehaffy, M. (2019). Tall Buildings Reconsidered: The Growing Evidence of a Looming Urban Crisis. Working Paper, Centre for the Future of Places. Disponível em: http://sustasis.net/TallBuildings.pdf.
 

[2] Nosso colega Patrick Condon descreveu um argumento semelhante no trabalho que ele chama de “The Flat City”. Ver Jing, H., & Condon, P. M. (2018). Flat City: Development Trend of World Cities Under the Influence of Digital Communication Technology Progress and Its Enlightenment to China. Urban Planning International, (2), 8.
 

[3] Ver UK House of Commons (2002), Sixteenth Report of Session 2001-2002. London: UK Parliament Publications. Disponível em: https://publications.parliament.uk/pa/ cm200102/cmselect/cmtlgr/482/482.pdf.

[4] Nossa colega Rachelle Alterman realizou um trabalho notável nesta área. Ver, por exemplo, Alterman, Rachelle (2009). Failed Towers: The condominium maintenance conundrum. Haifa: Center for Urban and Regional Studies, Technion — Israel Institute of Technology.
 

[5] Ver, por exemplo, a coleção de pesquisas de Boys Smith, N. (2016), Heart in the Right Street: Beauty, happiness and health in designing the modern city. London: Create Streets.

Tradução do artigo: Bruno Perenha | Revisão do artigo: Camila Bernardino | Edição do artigo: Bruno Minchilo.

Sobre o autor:

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Nikos Salingaros

Nikos Angelos Salingaros é um matemático e polímata, professor na Universidade do Texas em San Antonio. Reconhecido internacionalmente por seu trabalho em teoria urbana, teoria arquitetônica, teoria da complexidade e filosofia de design, suas publicações incluem os livros Algorithmic Sustainable Design, Anti-Architecture and Deconstruction, A Theory of Architecture, Principles of Urban Structure e Unified Architectural Theory, além de numerosos artigos científicos.