IBAT Entrevista: Raquel Britto

Esta entrevista, realizada em 2023, faz parte de uma série de conversas com arquitetos e profissionais brasileiros que passaram pelas principais instituções e escritórios voltados à arquitetura tradicional. A intenção de cada entrevista é permitir um maior contato e auxiliar aqueles que vislumbram a possibilidade de trilhar o mesmo caminho, ou que se interessam em compreender o funcionamento e a dinâmica das melhores universidades e ateliês, que são referência no campo tradicional. Aqui, conversamos com Raquel Britto, arquiteta formada pela University of Texas at San Antonio, especialista pelo ICAA/NYC e integrante do renomado ateliê Michael G. Imber Architects.

 

 

Você estudou na University of Texas at San Antonio. Como foi estudar nessa universidade?

 

Foi bem difícil. Eu me mudei para Miami primeiro e já de início percebi que o meu estilo de vida destoava muito daquele lugar, então vim para o Texas, motivada por uma bolsa de estudos (afinal é bem dispendioso ser estudante internacional nos EUA). Para além da faculdade, foi preciso lidar com pessoas, ambientes e culturas completamente diferentes. A adaptação de um estrangeiro é um fator que precisa ser levado em consideração, embora poucos pensem nessa parte; por mais que a americanização seja bem difundida pela mídia, a relação e adaptação a um novo país são muito particulares a cada um.

 

 

Durante o seu percurso acadêmico, você teve algum contato com a arquitetura tradicional?

 

Tive aulas a respeito da História da Arquitetura, somente. Assim como no Brasil, os Estados Unidos, como conhecemos, é um país relativamente recente e muito marcado pelo desenvolvimento industrial, o que influenciou diretamente na organização da sua malha urbana. Por esse motivo, vemos os preceitos modernistas em todos os lugares. Durante a faculdade, ouvi mais sobre os estudos e análises empíricas de Scott Brown e Robert Venturi, em Las Vegas, do que da arquitetura das missões aqui em San Antonio.

 

 

 A arquitetura tradicional possui uma relevância significativa nos EUA; você teve contato ou acompanhava algum escritório ou arquiteto tradicional?

 

Para ser sincera, não acompanhava. Embora admirasse as casas, os bairros e o urbanismo de vários locais, nunca fui estimulada e nem me sentia capaz, durante a graduação, de projetar algo assim. Mas, mesmo sem saber explicar em termos técnicos, eu era avessa à padronização e à falta da escala humana.

 

 

Como se deu o seu contato com a arquitetura tradicional?

 

Além da minha intuição, diria que foi no escritório em que trabalho. Eu não tive influências diretas na arquitetura tradicional, tanto que até meus 17 anos, eu admirava as casas ditas de “alto padrão” de condomínio de luxo. Creio que, naquela época, eu amaria Miami, mas quando me mudei para lá em 2017, não via a hora de ir embora. Na realidade, eu mudei o meu olhar após morar um ano na Suíça, em 2015. Lá, aprendi o valor da simplicidade e do momento. Desde então, não consigo mais ver beleza nessa vida mundana… me parece tão rasa.

 

 

Atualmente, você trabalha no escritório do arquiteto Michael Imber. Como você acabou por trabalhar nesse escritório, era algo que almejava?

 

No meu inconsciente, talvez, mas não conhecia o escritório até me candidatar para trabalhar aqui. Na faculdade, eu não tinha ouvido falar no Michael Imber e me candidatei simplesmente por achar que seus projetos eram harmônicos. Para ser sincera, não conhecia nada desse universo; eu estava buscando por estágio, já que optei por não fazer um semestre na Itália (exigido na grade da faculdade), e um dos requisitos podia ser suprido com o estágio. Procurei por firmas próximas ao apartamento onde morava, com a intenção de poder ir caminhando (uma preciosidade possível nos Estados Unidos). Porém, o plano não funcionou, o que hoje eu agradeço, e tive de ampliar o raio de distância; ao me candidatar para o escritório de Imber, recebi um retorno via e-mail, marcamos uma entrevista e em menos de 1 semana eu já estava contratada!

 

 

Conte um pouco sobre o escritório, possui muitos departamentos de projeto? Como se dá a interação entre os arquitetos e outros profissionais?

 

Aqui temos um estúdio, então podemos interagir e nos relacionar com facilidade. Michael também está sempre viajando, mas quando está presente sempre faz suas rondas, que é quando vem em nossas mesas conversar conosco. Somos quase 30 pessoas hoje, e cada projeto tem uma demanda diferente. Às vezes, ele pode ser administrado por apenas 1 arquiteto, ou até 6 pessoas, dependendo do estágio e complexidade dele. Para ficarmos inteirados do andamento do escritório, toda segunda-feira de manhã temos reunião com toda a equipe.

 

 

Quais são as etapas de projeto e como é o fluxo de trabalho do escritório?

 

Pela qualidade do escritório, os projetos são muito diferentes do que eu estava acostumada até então. Primeiro, aqui não existe “agenda fechada”: geralmente os clientes entram em contato por ligação e a diretora de desenvolvimento do escritório assume a partir dali, tendo em vista o nível do projeto e a disponibilidade dos coordenadores de projetos. Temos a charrette, design conceitual, design esquemático, desenvolvimento, projeto executivo e administração durante a construção. Eu diria que o fluxo varia muito de acordo com o projeto e o coordenador. Por exemplo, eu basicamente fui inserida apenas em projetos intensos e frenéticos, com entregas grandes e a curto prazo, porém tenho colegas que estão sempre mais tranquilos.

 

 

Como foi o processo de adaptação e no que você mais teve dificuldade desde que entrou ne escritório?

 

Eu passei por várias fases aqui: no início integrava o setor de marketing e trabalhava mais com pedidos de projetos, documentação para prêmios e redes sociais, mas eu não estava tão satisfeita porque queria trabalhar com projeto. Mais tarde, ao conseguirem contratar alguém para minha cadeira, eu fui inserida em um projeto em desenvolvimento na Flórida. Enfrentamos vários percalços e a equipe ainda estava se ajustando por ser nova e pelo fato de as entregas serem bem próximas. Embora tenha sido um pouco caótico, eu adorei o processo.

 

 

O que mais gostou e quais as lições mais valiosas que aprendeu trabalhando junto a Imber.

 

Quando penso no Michael, me vem à mente luz e passos rápidos. Acho que essa seria a melhor forma de descrevê-lo, sensorialmente. Já aprendi muito no escritório, especialmente por ser o primeiro no qual trabalhei estando nos Estados Unidos. Então, meu leque vai desde vocabulário a exigências de um local tão respeitado, mas tenho plena convicção de que, pelo nível dos projetos que fazemos, ainda tenho muito a aprender também. Se tivesse que elencar algo em especial, diria que é a importância do desenho na arquitetura, como arte e não desenho técnico de projeto. Sempre fui avessa ao desenho livre porque fui muito cobrada, e somente pessoas muito boas falam a respeito disso, mas aqui eu quebrei esse estigma. Também foi aqui que passei a apreciar e fiz aquarelas como forma de renderização.

 

 

Você faz parte do grupo de membros do IBAT, o que você pensa do instituto?

 

Estou admirando muito a iniciativa e a coragem de dar esse passo. É fundamental termos um local para unir as forças e debater sobre a importância da arquitetura como arte e cultura.

 

 

Quais as suas expectativas para o futuro do IBAT?

 

Espero que consigamos difundir cada vez mais a importância do resgate da arquitetura brasileira de uma forma leve, tanto para arquitetos quanto para leigos. O Brasil não pode perder sua essência tão complexa e diversa. Precisamos de projetos que retratam o povo brasileiro e não as tendências do mercado no momento.

 

 

Entrevista: Bruno Minchilo | Revisão: Camila Bernardino | Edição: Bruno Minchilo.

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