Arquitetura tradicional é um termo pouco conhecido entre os estudantes e profissionais de arquitetura no Brasil. Aqueles que se arriscam a comentar algo sobre o assunto normalmente acabam piorando a situação trazendo definições errôneas que não contribuem para o tema. A confusão acontece porque esse tipo de arquitetura foi extinto das universidades brasileiras há pelo menos 100 anos – principalmente com a chegada dos modernistas na década de 1920. Apesar dessa supressão, o movimento tradicional tem ganhado força no país nos últimos anos: um exemplo disso foi o nascimento do IBAT (Instituto Brasileiro de Arquitetura Tradicional) em 2023. Mas, afinal, o que é arquitetura tradicional?
A palavra tradição tem a sua origem no termo latino traditio, que significa “entregar” ou “passar adiante”.[1] Quando pensamos em tradição, estamos falando do conjunto de elementos – materiais ou imateriais – que são passados de geração em geração, sempre visando preservar valores que são importantes para determinado grupo. Existem tradições mais longínquas, como a famosa cerimônia do chá no Japão, e também tradições que herdamos de nossos familiares, como uma receita de bolo ou um relógio de parede antigo. Tudo isso tem uma importância fundamental na formação da personalidade humana, pois é mediante esses símbolos que nos conectamos ao passado, fortalecemos nosso imaginário e expandimos nosso senso de pertencimento.
Quando falamos em arquitetura tradicional, estamos nos referindo ao conjunto de técnicas e conhecimentos construtivos que evoluíram por meio de um processo lento, gradual e sucessivo. Assim como qualquer outra ciência, a arquitetura tradicional se baseia em um acúmulo de experiências moldado a partir de tentativa e erro. Um bom exemplo disso são os telhados do Brasil colonial, construídos com grandes beirais que tinham a função de proteger as paredes de taipa das constantes chuvas tropicais.[2] A partir dessa junção entre beleza e função, é possível entender como as técnicas de construção, desenvolvidas e aprimoradas no decurso de muitos anos, se relacionam com a aparência dos estilos e, eventualmente, com a própria saúde das pessoas que vivem nesses edifícios. Não é apenas uma questão de estética – como muitos erroneamente pensam.
Sendo assim, é possível dizer que arquitetos tradicionais procuram ver o passado como uma fonte de aprendizado e tendem a ter um comportamento pessimista com relação a mudanças radicais ou revolucionárias, entendendo que grandes rupturas tendem a ignorar o acúmulo de conhecimento construído ao logo do tempo, fazendo tábula rasa de métodos consolidados.
Tendo em vista a grande quantidade de tradições construtivas espalhadas pelo mundo, importa destacar que a arquitetura tradicional é, por sua própria natureza, extremamente ampla e vasta nos seus estilos. Uma crítica muito comum dos detratores do movimento é a ideia de que ele é sinônimo de arquitetura clássica, quando na verdade o classicismo é apenas uma de suas inúmeras vertentes. Arquitetos tradicionais podem trabalhar com o classicismo, biofilia, regionalismo, ecletismo e diversas outras abordagens que estão ligadas ao seu contexto local. Com efeito, um dos aspectos mais importantes da arquitetura tradicional é a sua capacidade de adaptação a diferentes contextos geográficos. A ideia de homogeneização, muito propagada na segunda metade do século XX com o International Style, vai contra esse princípio, uma vez que ignora as características de cada região, forçando técnicas e materiais que não se adequam às culturas locais.
Os mesmos conceitos se enquadram na definição de urbanismo tradicional. É somente por meio do desenvolvimento espontâneo (e orgânico) que a cidade ganha verdadeira identidade. Assim, é muito importante incentivar as pessoas a praticarem uma arquitetura que dialogue com o contexto, pois isso fortalece a continuidade de determinada cultura. O urbanismo moderno, ao buscar “atribuir a cada função e a cada indivíduo seu justo lugar”[3], provou-se absolutamente falho ao conceber uma cidade para máquinas e não para pessoas. A ideia de uma cidade futurista, pensada de cima para baixo, fracassou na sua proposta, principalmente porque colocou o funcionalismo acima das relações humanas, e o planejamento utópico acima do desenvolvimento orgânico. Os grandes tower blocks americanos do pós-guerra provaram que as pessoas preferem locais tradicionais para viver[4], pois é justamente nesses ambientes que os sentidos de pertencimento, beleza e equilíbrio florescem.
Por fim, pode-se concluir que a arquitetura tradicional é uma filosofia construtiva baseada em uma longa tradição de técnicas repletas de estilos e movimentos adaptados ao seu contexto local. Diferentemente do que muitos pensam, ela não é sinônimo de arquitetura do passado, mas, na verdade, é uma ciência empírica que só sobreviveu ao teste do tempo porque conseguiu provar-se útil em qualquer situação. Há muito mais para ser dito, mas é certo que vivemos num momento em que precisamos voltar a praticar aquilo que é tradicional, criando edifícios que se conectem com as pessoas e respondam às suas necessidades.
[1] TRADITION. In: Cambridge Dictionary. Cambridge: Camrbridge University Press, 2023. Acesso em: 21/09/2023.
[2] COLIN, Silvio. Técnicas construtivas do período colonial. In: Instituto Histórico–IMPHIC. Betim, MG: vol. 6, pp. 20. Ano: 2010.
[3] Cartas Patrimoniais. Carta de Atenas – Assembleia do CIAM, Novembro de 1933. In: IPHAN. Acesso em: 21 de setembro de 2023.
[4] Why the Pruitt-Igoe housing project failed. The Economist, New York, 15 de Outubro de 2011. Seção: Prospero. Acesso em: 09 de agosto de 2023.
Revisão do artigo: Camila Bernardino | Edição do artigo: Bruno Minchilo