Este artigo é a sequência do primeiro (clique aqui para ler) que trata sobre algumas das mais emblemáticas construções históricas da cidade de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. A cidade possui um rico acervo arquitetônico que reflete os diferentes momentos históricos e culturais que a moldaram: é possível encontrar construções que remontam ao período colonial, bem como edifícios que traduzem a sofisticação do ecletismo arquitetônico do século XX. Essas obras não apenas contam a história da cidade, mas também revelam a busca por beleza, ordem e harmonia, princípios fundamentais da arquitetura tradicional.
Mais do que simples construções, esses edifícios são testemunhos vivos da identidade cultural porto-alegrense. Suas fachadas imponentes, detalhes ornamentais e simbologia arquitetônica dialogam com os valores de uma sociedade que, no passado, buscava expressar tradição e perenidade por meio da arquitetura. Na segunda parte do artigo, ressaltamos mais algumas obras que são marco na cidade, por suas qualidades arquitetônicas e sua relevância cultural, convidando o leitor a um olhar mais atento e reflexivo sobre a importância da preservação do nosso patrimônio.
5. Casa de Cultura Mario Quintana (1933)
Antigo Hotel Majestic, a Casa de Cultura Mario Quintana é um projeto do arquiteto Theodor Wiederspahn com o engenheiro Rudolph Ahrons em estilo eclético com elementos barrocos, classicistas e do Jugendstil alemão. Na década de 1930, auge do Hotel Majestic, hospedou muitos políticos importantes, no entanto, nos anos seguintes, com a desfiguração do centro histórico, o hotel ficou esquecido e se tornou um “hotel pensão”. Foi neste tempo em que lá morou o poeta Mario Quintana, mais especificamente dos anos de 1968 a 1980[1].
Este prédio é o único em Porto Alegre a ocupar os dois lados de uma via pública (Travessa Rua dos Cataventos), com passarelas projetadas sobre a rua ligando os dois blocos[2]. Foi tombado pelo IPHAE em 1982 por seu valor arquitetônico, urbanístico e cultural na cidade
A Casa de Cultura possui elementos mouros na fachada da rua dos Andradas e na rua Sete de Setembro, e há um jogo de volumes – que são marcados nas esquinas com uma “rusticação” – formando três alturas: um mais baixo situa-se em paralelo a outro volume mais alto, e as duas cúpulas paralelas localizam-se em cima do vazio, sendo o ponto mais alto e a marcação do acesso do público à rua interna, que também dá acesso aos dois volumes. Sua ornamentação não só está na fachada principal, mas também nas faces da Travessa dos Cataventos. Somente entre os volumes, há colunas dóricas duplas, que também são usadas para sustentar as cúpulas[3]. A riqueza deste projeto causa maravilhamento e é digna de estudo, sendo um eclético com elementos variados que trazem com eles um “ar porto-alegrense”.
Em 1990, o edifício passou por uma revitalização para se tornar um dos principais espaços culturais da cidade e, anos mais tarde, em 2002, foram feitos reparos por problemas de infiltração[4]. Hoje, este é um ponto de encontro social e cultural muito popular, abrigando livrarias e cafeterias no térreo e, no seu interior, uma exposição sobre o prédio, biblioteca, pequenos auditórios que podem ser alugados para apresentações musicais, peças teatrais e exposições de arte e literatura. No alto da cúpula, também existe uma cafeteria com vista para o Guaíba.

6. Mercado Público (1869)
O Mercado Público de Porto Alegre é um dos mais icônicos edifícios da cidade e cujo projeto, datado de 1861, foi feito pelo arquiteto alemão Johann Friedrich Heydtmann[5]. É um dos prédios do centro histórico que possui um uso mais ativo e, por isso, sempre sofreu muitas alterações, dois incêndios e algumas enchentes, sendo a mais significativa a ocorrida em 2024.
O mercado foi-se ampliando conforme o tempo passava, mas sempre mantendo a estrutura antiga e a sua tipologia de um volume com pátio aberto no meio. Na primeira fase do Mercado (Figura 14), vê-se a presença de pilastras com a ordem dórica e em cada esquina, uma torre; também era circundado por docas, conhecidas como Docas do Mercado. Essa tipologia de mercado funcionava muito bem na época: lojas localizadas no perímetro e internamente, e eram organizadas através de 2 eixos perpendiculares entre si. Cada eixo era orientado por portas mais largas e altas, cada porta possuía também um desenho diferente na sua moldura, semelhante a uma rusticação.

O segundo momento do Mercado Público ocorreu em 1913: foi construído um segundo andar e definida a planta com quatro quadrantes internos e as bancas de metal. Com esse novo pavimento, a volumetria se manteve e a fachada assumiu uma estética, coordenada pelo prefeito da cidade na época, o Engenheiro Civil José Montaury[6]: elementos clássicos, como pilastras coríntias, frontões e arcos abatidos, foram inseridos em pontos estratégicos, como esquinas e entradas.

Na última fase, o edifício ganhou uma cobertura metálica e, ao seu lado, percebe-se o desaparecimento da Praça Parobé, que se tornou um terminal de ônibus. Essa cobertura trouxe a possibilidade de maior aproveitamento do espaço. Das bancas nesta fase, somente uma delas permanece com a estrutura original de ferro.

A estrutura neoclássica, com amplos vãos e corredores internos, abriga uma variedade de comércios que preservam a tradição gastronômica e cultural da região. No mercado vale ressaltar que tem o restaurante mais antigo de Porto Alegre, o Gambrinus com 130 anos, e a sorveteria da Banca 40 está ali desde 1928. Além de seu valor histórico, o Mercado continua sendo um ponto de encontro essencial para a comunidade.
Sua estrutura neoclássica, com amplos vãos e corredores internos, abriga uma variedade de comércios que preservam a tradição gastronômica e cultural da região, dentre eles, o restaurante mais antigo de Porto Alegre – o Gambrinus, com 130 anos de existência – e a sorveteria da Banca 40, que está ali desde 1928. Além de seu valor histórico, o Mercado continua sendo um ponto de encontro essencial para a comunidade.
7. Viaduto Otávio Rocha (1932)
Um dos mais belos exemplos de infraestrutura urbana, lugar que pode ser considerado um mirante da cidade, tendo uma das vistas mais bonitas da mesma, o viaduto foi uma obra necessária para a estrutura urbana de Porto Alegre na década de 1930. Alguns anos antes, em 1914, um Plano de Melhoramentos para a cidade foi feito por Moreira Maciel [7] e ali foi feita a primeira menção à Av. Borges de Medeiros (rua que passa por baixo do viaduto). No entanto, foi somente no governo de Otávio Rocha que foi executada e refinada a escavação de um morro necessária para a abertura da via, cujo rebaixamento exigiu a construção de um viaduto. O seu projeto foi feito em 1927[8] pelo Engenheiro Manuel Itaqui.
O viaduto é um elemento funcional, pois possui espaços comerciais no nível da Av. Borges de Medeiros e uma subida larga para a Rua Duque de Caxias, com escadarias e rampas conjugadas (estrutura que ocorre de modo semelhante na Ponte em Rialto, em Veneza, e que também tem lojas no seu percurso). Esta construção também possui um grande valor estético: decorado com detalhes ornamentais que resgatam a tradição europeia na arquitetura, como arcos vazados e postes de ferro com iluminação amarela que embelezam as ruas, o viaduto é ladeado por arcadas e possui dois pórticos sob a passarela com nichos que abrigam esculturas. Seu desenho harmônico não apenas facilita a mobilidade urbana, mas também enriquece a paisagem da cidade.
O Viaduto Otávio Rocha é um ótimo exemplo de como a funcionalidade não precisa excluir a possibilidade de se criar beleza e valor estético na estrutura urbana. Nele, as técnicas construtivas contemporâneas estão aliadas a um bom projeto funcional, à beleza dos elementos Art Deco [9] e ao encanto de uma das vistas mais icônicas da cidade que ele propicia.A estrutura neoclássica, com amplos vãos e corredores internos, abriga uma variedade de comércios que preservam a tradição gastronômica e cultural da região. No mercado vale ressaltar que tem o restaurante mais antigo de Porto Alegre, o Gambrinus com 130 anos, e a sorveteria da Banca 40 está ali desde 1928. Além de seu valor histórico, o Mercado continua sendo um ponto de encontro essencial para a comunidade.


8. Instituto de Educação General Flores da Cunha (1934)
O Instituto Flores da Cunha é um importante exemplo da arquitetura neoclássica em Porto Alegre. O seu projeto foi feito pelo arquiteto espanhol radicado no Brasil Fernando Corona, em 1934, ano em que ele trabalhava na maior construtora de Porto Alegre: Azevedo Moura e Guertum. O projeto foi realizado em tempo recorde de um ano [10] e serviu de estande para a exposição comemorativa da Revolução Farroupilha de 1935.
Esse complexo é o conjunto de três volumes: o prédio principal e maior possui salas de aula e um auditório; o segundo prédio é destinado ao ginásio de práticas esportivas com as mesmas características do prédio principal; o terceiro é destinado ao jardim de infância. A presença imponente das colunas jônicas colossais no pórtico de entrada, com sete intercolúnios, se assemelha aos desenhos da ordem jônica ilustrada por Claude Perrault. A fachada principal traz um ritmo e simetria, embora haja certa irregularidade de disposição espacial dos elementos. Nessa entrada, que possui sete intercolúnios, observam-se as duas marcações das esquinas com pilastras jônicas da mesma altura do pórtico. Todos esses elementos se harmonizam entre si, formando uma unidade de um complexo.
Esse prédio representa a história da educação no Rio Grande do Sul, pois foi a primeira escola em Porto Alegre. Primeiramente era chamada de Escola Normal da Província de Rio Grande de São Pedro, criada em 1869 [11], e se localizava num sobrado na esquina da Rua Riachuelo com a General Câmara; depois, em 1872, ela se mudou para um prédio próprio de escola da Rua Duque de Caxias com a Rua Marechal Floriano; depois, ganhou seu prédio próprio, onde se localiza atualmente. Suas fachadas grandiosas, com ordens clássicas e amplos salões, refletem um tempo em que a arquitetura educacional valorizava a imponência e o simbolismo na formação das novas gerações.


Conclusão
Encerramos este artigo conscientes de que ele aborda, juntamente com o primeiro, apenas uma pequena amostra do vasto e valioso patrimônio arquitetônico de Porto Alegre. Entre tantas obras históricas espalhadas pela cidade, escolhemos oito que se destacam pela beleza, simbolismo e relevância cultural — mas há muitas outras por aqui que merecem destaque e que chamam a atenção dos olhares atentos e sensíveis. Estas obras também são equipamentos onde a vida acontece, e qualificam a cidade contemporânea abraçando o passado com com usos relevantes para o presente. Embora apresentem uma linguagem tradicional, esses prédios foram construídos com materiais do século XXI, como concreto e pedras da região. Eles também conseguem acompanhar o desenvolvimento e o crescimento da cidade, mesmo após passarem por restaurações externas e internas.
Que estas publicações sirvam como um convite: caminhe pelas ruas da capital gaúcha com o coração aberto e os olhos elevados. Cada fachada, cada detalhe em pedra, ferro, tijolo ou concreto, carrega histórias que merecem ser lembradas. Ao reconhecer e valorizar esse legado, não apenas preservamos o passado, mas também cultivamos um futuro mais enraizado na tradição, na identidade e na beleza que atravessa os séculos.
[1] Arquivo IPHAE. Livro Tombo nº11.
[2] Arquivo IPHAE. Livro Tombo nº11.
[3] A coluna dupla foi uma inovação do século XVI na fachada de palácios, cujo exemplo é a Casa de Rafael (Palazzo Caprini), projeto de Bramante. No entanto, reparamos que no projeto de Bramante há um pequeno pódio que distingue a unidade da coluna, o que não acontece no projeto do Hotel Majestic, onde as duas colunas parecem inseparáveis.
[4] Arquivo IPHAE. Livro Tombo nº11.
[5] Arquivo IPHAE. Livro Tombo n° 29.
[6] DOBERSTEIN, Arnoldo Walter. 1913: o segundo piso do mercado público. 2022. https://www.matinaljornalismo.com.br/parentese/memoria/1913-o-segundo-piso-do-mercado-publico/#:~:text=Alinhados%20com%20as%20motiva%C3%A7%C3%B5es%20est%C3%A9ticas,5).&text=Arnoldo%20Doberstein%20%C3%A9%20professor%20e%20estudioso%20da%20hist%C3%B3ria%20de%20Porto%20Alegre. Acesso em: 21/03/2025
[7] CANEZ, Anna Paula Moura. Arnaldo Gladosch: o edifício e a metrópole. Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro. Porto Alegre: UniRitter, 2008, p. 198.
[8] CANEZ, op.cit., p. 198.
[9] MORAES, George Augusto de. Contribuição de Manoel Itaqui para a Arquitetura Gaúcha. Dissertação. Porto Alegre: UFRGS, 2003, p. 127.
[10] Arquivo IPHAE. Livro Tombo nº11.
[11] Arquivo IPHAE. Livro Tombo nº11.
Referências Bibliográficas
1. SCRUTON, Roger. A Beleza. Trad. Cezar Augusto Silveira. Lisboa: Edições 70, 2011.
2. ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade. São Paulo: Perspectiva, 2001.
3. MACEDO, Francisco Riopardense de Macedo. História de Porto Alegre. Porto Alegre: UFRGS, 1993.
4. SCHÄFFER, Barbara. 2011. Porto Alegre, Arquitetura e Estilo. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: UFRGS, 2011.
5. Arquivo IPHAE. Livro Tombo.
6. FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre: Guia Histórico. Porto Alegre: UFRGS, 2006.
7. CATINI, Rafaela. Giovanni Battista Giovenale. 2001. Disponível em: https://www.treccani.it/enciclopedia/giovanni-battista-giovenale_(Dizionario-Biografico)/ Acesso em: 20/03/2025.
8. NASCIMENTO, José Clewton. Capela Pazzi. n°1. Natal: UFRN, 2021. https://issuu.com/giesta/docs/capela_pazzi_3_ (Acesso em: 20/03/2025)
9. https://www.catedralpoa.com.br/arquitetura (Acesso: em 20/03/2025).
10. LUZ, Maturino. A Evolução do abastecimento de hortifrutigranjeiros em Porto Alegre. Porto Alegre. 2022. Disponível em: https://sler.com.br/a-evolucao-do-abastecimento-de-hortifrutigranjeiros-em-porto-alegre/ Acesso em: 21/03/2025.
11. WEIMER, Günter. Arquitetos Imigrantes no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: PUCRS.
12. DOBERSTEIN, Arnoldo Walter. 1913: o segundo piso do mercado público. 2022. https://www.matinaljornalismo.com.br/parentese/memoria/1913-o-segundo-piso-do-mercado-publico/#:~:text=Alinhados%20com%20as%20motiva%C3%A7%C3%B5es%20est%C3%A9ticas,5). Acesso em: 21/03/2025
13. https://www.palaciopiratini.rs.gov.br/palacio Acesso em: 21/03/2025
14. https://santadoroteia-rs.com.br/7o-ano-visita-a-casa-de-cultura-mario-quintana/ Acesso em 05/06/2025
15. SUMMERSON, John; FICHER, Sylvia (trad). Linguagem Clássica da Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 2017.
16. MORAES, George Augusto de. Contribuição de Manoel Itaqui para a Arquitetura Gaúcha. Dissertação. Porto Alegre: UFRGS, 2003.
17. CANEZ, Anna Paula Moura. Arnaldo Gladosch: o edifício e a metrópole. Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro. Porto Alegre: UniRitter, 2008.
18. CHEUICHE, Antonio do Carmo. Catedral Metropolitana De Porto Alegre – Guia Histórico-artístico. Porto Alegre .Diagramme Produções. 2012.
19. PEREIRA, Cláudio Calovi. A CASA DO PODER. A arquitetura do Palácio Piratini em Porto Alegre. Novo Hamburgo. FEEVALE. 2011.
20. LAGEMANN, Eugênio et LICHT, Flávia Boni (rg.s) PALÁCIO PIRATINI. Porto Alegre : IEL, 2010
21. TOLOTTI Filho, José Luiz. Ecletismo e reciclagem : o edifício do MARGS, do Memorial do RS, e do Santander Cultural.Dissertação.Porto Alegre: UFRGS, 2010.
Autores do Artigo: Esdras Tonin e Robertha Silveira | Revisão: Camila Bernardino | Edição: Robertha Silveira