Reformar a Arquitetura para Aprimorar a Humanidade

Somos ensinados a preferir edifícios que diminuem a vida

A educação condiciona o público a preferir o modernismo industrial bruto da Alemanha dos anos 1920 incorporado no ambiente construído atual. Esse conjunto universalmente aceito de tipologias – caixas, saliências em balanço, concreto bruto, paredes de vidro, empenas cegas, peças metálicas projetadas, elementos repetitivos monótonos, paredes lisas, torres – falha em proporcionar conforto psicofisiológico. A profissão evita deliberadamente elementos da arquitetura tradicional e o estado de conforto e felicidade que eles induzem no usuário.

 

O Ocidente apagou seu conhecimento e práticas arquitetônicas herdadas, para substituí-los por produtos deprimentes e estranhos. O mesmo fez o Oriente, mais religioso e tradicional, ansioso por alcançar o Ocidente. Arquitetos modernistas usaram uma astuta tomada de poder para promover seus produtos com falsas promessas de utopia. Ao marginalizar profissionais habilidosos em criar um ambiente humano adaptativo, um novo grupo de indivíduos foi elevado a posições de autoridade. Essas figuras agora ocupam o panteão da arquitetura.

 

Elementos visuais essenciais para o sistema cognitivo humano incluem curvas equilibradas, simetrias complexas, estabilidade gravitacional, composição harmoniosa, ornamentos, cores ricas e sutis, e texturas que tornam o ambiente imediato emocionalmente nutritivo e pacífico. No entanto, os arquitetos implementam tipologias de construção que eliminam esses componentes vitais do design, desconectando as pessoas do mundo visualmente saudável. Aprender a se entusiasmar com formas repulsivas torna-se uma marca de prestígio social! Rotular os dissidentes como intelectualmente atrasados e primitivos envergonha a todos, levando-os a aceitar interiores e exteriores de edifícios inquietantes ou minimalistas.

Abusa-se da ciência para se manter o poder

Uma campanha massiva de desinformação engana ainda mais o público, fazendo-o acreditar que a arquitetura oficial é baseada na ciência – não é. A ciência condena as tipologias industriais-modernistas, mas as pessoas não são suficientemente informadas para ver uma analogia de junk food para o ambiente construído. Os propagandistas desviam habilmente o debate para tópicos políticos polêmicos, declarações éticas falsas e se afastam da ciência.

 

A Inteligência Artificial (IA) e os dados médicos derrubam a narrativa arquitetônica dominante, mostrando como os edifícios industriais-modernistas geram ansiedade nos seres humanos – mesmo nos corpos de indivíduos doutrinados que insistem em apreciar a experiência. Esses “especialistas” são mentalmente condicionados a suprimir os sinais de alarme de seus corpos. Além disso, como missionários, eles são treinados para “salvar” o público ignorante e insistir em impor seus preconceitos a todos os outros.

 

A Inteligência Artificial também mostra como o cérebro em desenvolvimento de uma criança requer a variedade de complexidade visual organizada que esteve presente ao longo da evolução humana, e que o modernismo industrial apagou. Devido aos seus efeitos prejudiciais no desenvolvimento das crianças, cortar os seres humanos do envolvimento com seus arredores é um crime contra nossos jovens. Os pais aceitam essa situação catastrófica e não percebem que estão, sem saber, sacrificando seus próprios filhos a um culto de imagens.

 

Desenvolvimentos recentes usando Inteligência Artificial identificam os tipos de arquitetura necessários para apoiar a biologia humana. Após um século, a IA revela o que os humanos esqueceram: as características de ambientes emocionalmente nutritivos. Sensores portáteis e vestíveis medem como o corpo humano reage às formas; determinam para onde o olhar é direcionado inconscientemente; identificam o que desencadeia efeitos curativos; enfatizando que muito do que construímos hoje em dia é invisível (porque o cérebro o ignora) ou pode estar nos prejudicando por meio de sinais emocionais negativos.

O poder da mídia dissolve os valores tradicionais

E quanto aos valores religiosos tradicionais que protegem a cultura herdada e a santidade da procriação, a criação dos filhos em um ambiente saudável, e as responsabilidades sagradas da paternidade? Sem mencionar garantir que os locais de culto sugiram uma ordem superior oposta à corrupção humana, ganância e niilismo.

 

Esqueça isso! Tais noções atraíam nossos ancestrais primitivos, mas agora somos “modernos” e não podemos nos incomodar com ideias antiquadas. O fascínio da moda chamativa que o complexo arquitetura-indústria oferece ao público supera qualquer noção religiosa de moralidade e responsabilidade com o significado da vida humana. E como lucros legais podem ser obtidos à custa da saúde pública, grandes comissões conquistadas e prêmios de ganhos prestigiosos, um sistema entrincheirado continua a corroer o que resta de nossa humanidade diminuída.

 

As pessoas compram a narrativa arquitetônica dominante porque as conexões do cérebro humano favorecem a coesão instintiva de grupo (uma vantagem evolutiva há um milhão de anos) que permite a doutrinação na sociedade moderna. Esse mecanismo de aceitação vindo da pressão dos colegas também impulsiona a publicidade e cultos pseudo-religiosos perigosos. A mídia constantemente apresenta edifícios chamativos e estranhos, supostamente representando o auge do desenvolvimento intelectual humano. Embora seja necessária tecnologia avançada para fazer tal edifício funcionar, não há adaptação inteligente ao corpo e aos sentidos humanos.

 

Adotar expressões arquitetônicas dominantes tem consequências subjacentes mais profundas. As tradições artísticas e culturais herdadas são apagadas; soluções arquitetônicas adaptativas são proibidas e, consequentemente, esquecidas; e o sistema pune severamente desvios individuais da ortodoxia. O poder esmagador da mídia proíbe a arquitetura evoluída que se adapta às sensibilidades humanas superiores, enquanto arquitetos tradicionais em todo o mundo devem se arrastar para os ditames dos prêmios chamativos.

 

Clientes individuais e institucionais, incluindo igrejas, corporações, governos, hospitais e universidades, cedem. Essa é a maior decepção de todas, já que a sociedade espera ingenuamente que nossos indivíduos mais cultos e sábios – pesquisadores acadêmicos, intelectuais, profissionais médicos, filósofos e autoridades religiosas – protejam a humanidade de tendências prejudiciais. Ao trair essa confiança, novos edifícios escolares em todo o mundo, e até mesmo novos campi inteiros, prestam homenagem ao design indutor de ansiedade que é vendido como “de ponta”. Os comitês de aprovação e seleção obviamente não se preocupam em ler a pesquisa neurológica sobre os efeitos que essas formas desarticuladas têm no cérebro humano.

 

A mídia elogia novos edifícios escolares sombrios, incoerentes ou ameaçadores como sendo modernos e inovadores. Um indivíduo rico patrocina um edifício feio no campus, apesar de ter dúvidas pessoais, porque porta-vozes da profissão o promovem. Falar abertamente para sugerir um design mais tradicional para o dinheiro de alguém expõe o doador como ignorante e socialmente retrógrado – até mesmo reacionário. Isso desfaria a intenção original do filantropo, que é gerar publicidade positiva por meio de doações à escola.

A atividade de construção global apoia objetivos sensoriais agressivos

Formas, superfícies e volumes de construção influenciam nossos corpos e mentes de uma maneira profunda, mas inconsciente. No entanto, o design dominante depende exclusivamente de estilos visuais estabelecidos e modelos restritos de tecnologia de construção. Milhões de novos edifícios parecem iguais – com características obrigatórias industrial-modernistas reconhecíveis a quilômetros de distância. De perto, esses edifícios não acomodam os sentidos humanos. A impressão emocional da aproximação e entrada de pedestres varia de banal/neutra a ameaçadora/hostil. Esse feedback nega o apelo da arquitetura e urbanismo tradicionais de cidades mais antigas, pontos turísticos e assentamentos autoconstruídos que parecem confortáveis em escala, mesmo que careçam de infraestrutura e serviços básicos.

 

Especuladores imobiliários adoram o modernismo industrial porque ele gera enormes lucros a partir de um produto genérico que não se adapta a nada. O caso oposto aos cubos modernistas de concreto ou vidro também é favorecido justamente por ser extravagante e incoerente. Edifícios curvos e ondulantes –  esculturas gigantes e ameaçadoras que não servem a nenhum propósito além de satisfazer o ego e o narcisismo – são extremamente caros de construir. Arquiteto e cliente desperdiçam recursos para se exibir, ignorando as necessidades emocionais dos usuários. O desconstrutivismo (um ataque sensorial) e o minimalismo (clássica privação sensorial) são visualmente opostos, mas igualmente hostis aos seres humanos. Esta prática dupla transforma a sustentabilidade numa piada, uma vez que ninguém quer manter um edifício que não é amado.

 

A arquitetura “oficialmente favorecida” passou por diversas variações desde os anos 1920 sem nunca renunciar à hostilidade sensorial em relação aos usuários – fazer isso seria nostálgico, portanto, tabu. Os estilos favorecidos passam de austeros e sem rosto a formas quebradas e desarticuladas que provocam ansiedade. Uma sucessão de imagens alienígenas transforma, ainda que as evitando cuidadosamente, geometrias com as quais o sistema perceptivo humano evoluiu e viceja. Depois de tantas décadas, suprimir deliberadamente em nossos edifícios geometrias que melhoram a vida se tornou um jogo perigoso e sem sentido.

 

A construção global explora seu aparato de relações públicas para manter um grupo de arquitetos favorecidos aos olhos do público. Esse jogo de poder corrupto depende da mudança Orwelliana entre beleza e feiura. Grandes somas de dinheiro aliadas a interesses políticos implacáveis usam a mídia como ferramentas de propaganda voluntárias. A mente coletiva é enganada quando júris escolhidos a dedo habitualmente premiam os frutos absurdos da imaginação de algum colega narcisista.

 

Então, qual parte interessada vai insistir em uma arquitetura nova/antiga que aprimore nossa humanidade? O saber para construir ambientes de cura é atualmente conhecido, mas teimosamente mantido fora da profissão. A sociedade tem a responsabilidade de se informar melhor e implementar mudanças.

Tradução do Artigo: Lucas Lima | Revisão: Camila Bernardino | Edição: Giseli Souza | Bruno Minchilo.

Sobre o autor:

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Nikos Salingaros

Nikos Angelos Salingaros é um matemático e polímata, professor na Universidade do Texas em San Antonio. Reconhecido internacionalmente por seu trabalho em teoria urbana, teoria arquitetônica, teoria da complexidade e filosofia de design, suas publicações incluem os livros Algorithmic Sustainable Design, Anti-Architecture and Deconstruction, A Theory of Architecture, Principles of Urban Structure e Unified Architectural Theory, além de numerosos artigos científicos.