Sobre a arquitetura de Resende Costa: do período colonial à Caixa d’Água

A cidade de Resende Costa fica localizada na microrregião do Campo das Vertentes, no Centro-Sul de Minas Gerais, com uma população estimada de 11.230 pessoas. Suas origens remontam ao período da exploração do ouro em Minas Gerais, em que, no cruzamento de duas estradas, uma rumando do norte ao sul da capitania e outra de Goiás ao Rio de Janeiro, iniciou-se um aglomerado urbano que atendia aos viajantes. Atualmente, a cidade é reconhecida pelo seu comércio de produtos artesanais, tendo recebido em 2024 o título de capital nacional do artesanato têxtil.


Do período colonial é datada a mais antiga ocupação da atual Resende Costa, cuja capela primitiva foi erguida em 1749. Juca Chaves expõe duas versões para o surgimento do Arraial. A primeira diz que no ponto em que se localiza a Igreja Matriz confinavam três herdades latifundiárias, que lhe deram o patrimônio (a gleba de terra destinada ao clero) e o logradouro. Já a segunda versão diz que no centro do Arraial interceptavam-se duas estradas, uma rumando do norte ao sul da Província de Minas Gerais e a outra de Goiás ao Rio de Janeiro. Às margens do cruzamento, surgiram algumas tabernas e estalagens que abrigavam os viajantes, gerando o comércio que, supõe-se, foi o embrião da ocupação da localidade, que se aliou à salubridade do clima e à sublimidade de seu panorama. Sobre o processo de ocupação do antigo núcleo, José Augusto de Rezende, em seu Livro de Pallidas Reminiscências da antiga Lage, publicado pela primeira vez em 1920 e republicado em 2010, diz que:

 

Não sendo Rezende Costa, antiga Lage, logar de ouro a explorar, os primeiros habitantes se entregaram à vida agrícola e pastoril, que, forçosamente, teve de iniciar-se em pontos diversos do districto, reservando o centro para as suas reuniões e para o culto religioso, o contrario do que se dava com os logares visinhos, em cujas sédes cuidavam do ouro e, por isso, esses logares, a princípio, progrediram mais rapidamente, devido ao accumulo do povo. 

 

Da época da colônia, ainda restam algumas residências exemplares. São casas que apresentam uma linguagem arquitetônica simples, ditada pela austeridade construtiva, tanto de forma como de acabamentos, com cheios predominando sobre os vazios. Quanto à sua implantação, elas eram construídas sobre o alinhamento das vias públicas com as paredes laterais nos limites do terreno, não se concebendo recuos ou jardins, formando ruas de aspecto uniforme. Os dois tipos de habitação urbana eram a casa térrea e o sobrado. Do segundo, nenhum exemplar restou intacto, mas podem ser vistos em fotos antigas. Dentre as casas térreas sobreviventes, destaca-se a casa do inconfidente José de Resende Costa e a que pertenceu ao Padre Toledo, além de outros exemplos pontuais.

 

Casa do Inconfidente José de Resende Costa. | Fonte: Guilherme Ribeiro.

 

No período imperial, vemos um desenvolvimento da arquitetura vernacular resende-costense. As casas passam a ter recuos laterais, com pés direitos mais avantajados, porões elevados e vãos maiores. Ornamentalmente a arquitetura civil também fica mais rica, com cimalhas trabalhadas em madeira, pinázios em formas geométricas e uso de sobrevergas sobre as janelas. Do período do império é o atual prédio do Fórum da cidade, antiga Casa dos Serviços Públicos e Detenção, do último quartel do século XIX.

 

Antiga Casa dos Serviços Públicos e detenção, atual Fórum. | Fonte: São João Transparente, Colaboração Solange Silva, Arquivo Prefeitura Municipal de Resende Costa.

 

Na época da república, em 1911, Resende Costa conseguiu sua emancipação política a município e com isso sua arquitetura se modernizou. As formas luso-brasileiras foram substituídas pelo estilo em voga da época, o ecletismo. Assim, vimos as ordens clássicas sendo utilizadas abertamente nos exteriores das edificações civis, o que não ocorria até então. Quanto à tradição clássica em Resende Costa, é interessante citar José Augusto de Rezende, que, em seu livro de 1920, chama atenção para os novos prédios que vinham sendo construídos, os quais “parecem ficar lindos porque estão obedecendo a uma ordem”. Pode-se relacionar a chegada do ecletismo a Resende Costa também à implantação da ferrovia Oeste de Minas na cidade vizinha de São João del-Rei, que possibilitou a importação de novos modelos e materiais para a arquitetura da região.

 

Dessa época é a Pensão do Boqueirão, último exemplar sobrevivente do ecletismo chalet da cidade, atualmente em péssimo estado de conservação. Também podemos citar o antigo Grêmio Literário, o Teatro Municipal, o Grupo Escolar Assis Resende, a Santa Casa (demolida) e a Casa Paroquial, além de outros edifícios residenciais pontuais, como exemplos do ecletismo resende-costense. Dentro da arquitetura religiosa, foi edificada em estilo neogótico por um arquiteto italiano a antiga Matriz de Nossa Senhora da Penha de França em substituição à capela primitiva. A matriz neogótica teve vida curta, tendo sido depois substituída por uma neocolonial que, apesar do estilo, manteve a volumetria da anterior.

 

Teatro Municipal. | Fonte: Guilherme Ribeiro.

 

Após o ecletismo, a cidade viu o surgimento de uma arquitetura protomoderna ou art-déco. Um de seus primeiros exemplares é o Grupo Escolar Assis Resende que, por meio de um classicismo despojado composto de formas simples aliado a uma composição neo barroca (ou até maneirista), representa uma transição para o novo estilo. Algumas casas e comércios pontuais foram construídos seguindo essa tendência, a qual parece não ter obtido muita força.

 

Grupo Escolar Assis Resende. | Fonte: Guilherme Ribeiro.

 

No período moderno, vemos o apagamento das tradições arquitetônicas locais e sua substituição por formas banais e internacionalistas que, com o passar dos anos, entrando no pós-moderno e no contemporâneo, vão se tornando cada vez menos amigáveis à arquitetura local. Com o predomínio da função sobre a forma, as edificações passam a ser projetadas por engenheiros e aventureiros sem senso estético, com blocos de edifícios se erguendo pelo centro sem qualquer consideração pelas tradições locais. Do surto modernista da cidade, podemos destacar o Hospital Nossa Senhora do Rosário, construído de frente à Matriz no local onde existia a Santa Casa, apresentando um estilo em total desarmonia com o restante da paisagem. 

 

O que dizer da estranha construção resende-costense desse período, o Reservatório da COPASA localizado no Mirante das Lajes? Construído em 1981 para sanar o problema de abastecimento de água da cidade, que precisava ser buscada pela população em nascentes nos arredores, seu local foi definido com base nas necessidades técnicas identificadas pelos engenheiros da Copasa, ou seja, deveria ficar no ponto mais alto da cidade para aproveitar a pressão da água. A estrutura ainda é usada, por isso não pode ser demolida.

Desde a sua construção, foram várias as reclamações dos moradores quanto à  caixa d’água das Lajes, as quais se relacionam especialmente à desarmonia com o entorno e da notável obstrução da paisagem, fato que deu origem à sua polêmica fama de “monstro”.

 

O Reservatório obstruindo a paisagem do Mirante. | Fonte: Guilherme Ribeiro.
O Reservatório contrastando com o edifício da Câmara Municipal e com a Matriz. | Fonte: Guilherme Ribeiro.
O Reservatório sobre o afloramento de pedra.. | Fonte: Guilherme Ribeiro.

 

Houve tentativas de realocar o reservatório, mas não tiveram frutos. Em uma ocasião, a Copasa propôs um projeto “Requalificação do Reservatório”, que visava dar características arquitetônicas modernas ao edifício. Entretanto, o projeto foi vetado pelo Conselho Municipal de Patrimônio e Cultura sob a alegação de que sua execução obstruiria ainda mais o mirante e seu estilo destoaria dos edifícios históricos vizinhos. Recentemente, em 2019, como forma de disfarçar sua presença, o reservatório recebeu pinturas decorativas tematizadas da “Tixa”, personagem mascote de Resende Costa. Em 2024, o reservatório recebeu ainda adição de gradis amarelos sobre a sua estrutura, reafirmando seu caráter utilitário. 

 

Curiosamente, no ano de 2009, o Jornal das Lajes, periódico local que busca resgatar a memória e a cultura da cidade, propôs uma enquete para os leitores sobre sua opinião quanto à retirada da caixa d’água. Pelo que se entende dos resultados e das opiniões nos comentários, é notável o descontentamento dos moradores com o edifício. Entretanto, dentre os comentários, alguns reconhecem a sua utilidade e propõem, ao invés de sua demolição, seu uso como base para a edificação de outro monumento, como um Cristo Redentor, uma imagem da padroeira ou um coreto para apresentações musicais.

 

Nesse sentido, o concurso proposto pelo IBAT | INTBAU Brazil, em parceria com o Conselho Municipal de Patrimônio e Cultura de Resende Costa, vem como uma nobre maneira de tentar incentivar a retomada da arquitetura calcada em princípios tradicionais na cidade, aproveitando a polêmica caixa d’água, uma edificação em seu cerne utilitária, como objeto de intervenção. Desse modo, é recomendável aos participantes que usem as fotos do reservatório apresentadas neste texto livremente como referência para a produção de desenhos e foto-inserções.

 

Para mais informações sobre o concurso, clique aqui.

Referências:

 

1. Cf. CHAVES, José Maria da Conceição. Memórias do Antigo Arraial de Nossa Senhora da Penha de França da Lage, Atual Cidade de Resende Costa, Desde os Proêmios de sua Existência, Até os Dias Presentes. Resende Costa: Amirco, 2014. Organização: Elaine Amélia Martins, Rosalvo Gonçalves Pinto. p. 33.
2. Ibid. p. 33-35.

3. Cf. REZENDE, José Augusto de. Livro de Pallidas Reminiscencias da antiga Lage – hoje – Villa de Rezende Costa. 1920. Reimpressão, Resende Costa: Amirco, 2010 [1920]. Organização: Elaine Amélia Martins, Rosalvo Gonçalves Pinto. p. 41.

4. Cf. DANGELO, André GD; BRASILEIRO, Vanessa; DANGELO, Jota. Memória arquitetônica da cidade de São João Del-Rei, 300 anos. e. 43, 2014. p. 50.

5. Cf. REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da Arquitetura no Brasil. 7. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1995.

6. Cf. CHAVES, José Maria da Conceição. Memórias do Antigo Arraial de Nossa Senhora da Penha de França da Lage, Atual Cidade de Resende Costa, Desde os Proêmios de sua Existência, Até os Dias Presentes. Resende Costa: Amirco, 2014. Organização: Elaine Amélia Martins, Rosalvo Gonçalves Pinto. p. 48.

7. Ibid. p. 62.

8. Cf. REZENDE, José Augusto de. Livro de Pallidas Reminiscencias da antiga Lage – hoje – Villa de Rezende Costa. 1920. Reimpressão, Resende Costa: Amirco, 2010 [1920]. Organização: Elaine Amélia Martins, Rosalvo Gonçalves Pinto. p. 51.

9. Cf. EUSTÁQUIO, André. Reservatório da Copasa recebe pinturas artísticas inspiradas nas ilustrações da Revista da Tixa. 2019. Disponível em: https://www.jornaldaslajes.com.br/integra/reservatorio-da-copasa-recebe-pinturas-artisticas-inspiradas-nas-ilustracoes-da-revista-da-tixa/2632. Acesso em: 02 de novembro de 2024.

10. Cf. COELHO, José Ângelo de Freitas. O Monstro das Lajes. 2013. Disponível em: https://www.jornaldaslajes.com.br/integra/o-monstro-das-lajes/1114. Acesso em: 02 de novembro de 2024.

11. Cf. EUSTÁQUIO, André. Reservatório da Copasa recebe pinturas artísticas inspiradas nas ilustrações da Revista da Tixa. 2019. Disponível em: https://www.jornaldaslajes.com.br/integra/reservatorio-da-copasa-recebe-pinturas-artisticas-inspiradas-nas-ilustracoes-da-revista-da-tixa/2632. Acesso em: 02 de novembro de 2024.

12. JORNAL DAS LAJES (Resende Costa). Você acha que o reservatório da COPASA deve ser retirado das Lajes de Cima? 2009. Disponível em: https://www.jornaldaslajes.com.br/enquetes/voce-acha-que-o-reservatorio-da-copasa-deve-ser-retirado-das-lajes-de-cima/8. Acesso em: 02 de novembro de 2024.

Revisão do artigo: Camila Bernardino | Edição do artigo: Robertha Silveira

Sobre o autor:

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Guilherme Ribeiro

Guilherme Ribeiro é graduando em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de São João-del Rei. É natural de Resende Costa (Minas Gerais), cidade da qual produz conteúdo relativo à valorização de sua arquitetura histórica nas redes sociais.