Escrevo com o objetivo de despertar nos mais jovens estudantes das artes e no público geral uma melhor noção dos valores artísticos tradicionais e de algumas possibilidades profissionais, agregando conhecimentos diversos que convirjam para uma integração harmônica do homem com a arte, arquitetura e design e seu meio. Como professor de arte e história da arte, com experiência nos cursos superiores de Arquitetura e Urbanismo, Design de Interiores, Design Gráfico, Design de Moda e Belas Artes, sinto-me à vontade para dissertar brevemente a respeito do tema, pois reconheço que este assunto não está no foco de interesse de muitos estudantes, pelo simples fato de desconhecerem algumas referências fundamentais e por estarem imersos num meio em que o mercado é prioridade, de forma geral. Apresento-me como um interessado na didática simples para iniciantes, sem esquecer dos iniciados. A fase de formação é uma das mais importantes da vida.
Aproveito para elogiar a iniciativa de jovens arquitetos e artistas que realmente vivem as artes tradicionais, renovando as linguagens e suas possibilidades. Estes não se esquecem de observar os percursos das inovações científicas, que se abrem a partir das descobertas passadas, pois observam grandes distâncias sobre o ombro de gigantes. Entendem que neste mundo é fácil destruir, mas muito difícil e raro construir e manter. As linguagens tradicionais perenes são as bases que permitem a ponderação para as diversas atitudes formativas, até mesmo para as possíveis atitudes disruptivas e inovadoras. Compreender a imperfeição do mundo em que vivemos é um passo não muito simples para iniciar a contemplação da simplicidade da tradição, ou sua complexidade erudita, acessível através de esforços cotidianos nem sempre fáceis e longe de serem gratuitos, em grande parte acessados através da dedicação à educação. Esses arquitetos e artistas acreditam, sobretudo, que a experiência se sobrepõe à moda e aos ressentimentos ideológicos.
Por que muitas pessoas relacionam suas viagens nacionais e internacionais a lugares belos e agradáveis, e estes lugares são coincidentemente as antigas cidades e centros históricos? Da mesma maneira, por que muitas pessoas têm como um objetivo de vida peregrinar por lugares santos e belos, sempre que possível?
É possível perceber nas obras de arte de grandes mestres da pintura, como o romântico inglês Constable, como recorda o filósofo inglês Roger Scruton no seu livro Beleza, que a pintura romântica de paisagem exprime um sentido de ordem e que cidades antigas se harmonizam numa ordem com a paisagem e o meio. Cidades históricas brasileiras, mesmo que se espalhem desordenadas aparentemente, como Ouro Preto, conservam um centro histórico idílico, numa conexão entre a rua e o mundo. Os cinco sentidos se apresentam na experiência física que remete às lembranças e símbolos. Já outras cidades do mesmo período, devido às rápidas expansões na modernidade e descaracterizações, não nos revelam estas qualidades. Há uma desconexão desordenada, opressora, que gera a feiura, desarmonia, espelhando os contrastes e contradições da sociedade brasileira. Por estes princípios eu formulo meus desenhos e pinturas, através de paisagens imaginárias, que me permitem maior lirismo como pintor e desenhista.
Basicamente as distintas definições para o que chamamos de arquitetura tradicional encontram-se, em maior ou menor grau, na arquitetura histórica, nos meios e nos contextos construtivos tradicionais ou vernaculares. Acrescentam-se, em seguida, as inovações e atualizações tecnológicas que permitem novas possibilidades estruturais, de conforto e de tecnologia embutida, entre outros fatores. As artes se comportam de forma semelhante, porém não se comprometem com a funcionalidade ou utilidade prática, o que as distinguem da arquitetura e do design industrial.
A arquitetura das cidades históricas de Minas Gerais faz parte do conjunto da tradição arquitetônica do Brasil. Nesse contexto, a arquitetura luso-brasileira, em particular, desempenha um papel significativo em nossa história. Portanto, a tendência seria adotar este modelo como referência de arquitetura tradicional. Entretanto, os bons exemplos das obras ecléticas, Art Déco e modernistas dos séculos XIX e XX podem ser contemplados como parte integrante da arquitetura tradicional brasileira, sob a ótica histórica em que foram concebidas. Aos brasileiros, abre-se uma frente ampla segundo essas tradições, somadas às experiências luso-brasileiras, germânicas, latinas, indígenas, africanas e orientais. Com isso, o uso dos materiais também não é limitado, partindo das alvenarias e usos das madeiras mais tradicionais às estruturas contemporâneas mais robustas de concreto e metal. Um exemplo de arquitetura tradicional que valoriza a cultura local é a arquitetura vernacular. Essa forma arquitetônica é construída pelos próprios habitantes, fazendo uso de materiais e técnicas disponíveis na região. É resultado de um conhecimento acumulado ao longo de gerações e reflete a capacidade do ser humano em se adaptar ao ambiente.
O desenvolvimento das expressões artísticas e projetuais tradicionais é fruto de séculos de prática, por meio de um processo lento, gradual e sucessivo. Portanto, é preciso compreender os erros, acertos, aspectos positivos e negativos, assim como a forma pela qual elas resistiram aos testes do tempo. É preciso, também, analisar quais tecnologias e materiais ainda são viáveis, quais são as possibilidades oferecidas pelos novos materiais e como tudo isso se relaciona com os diferentes climas locais e tradições específicas. Por intermédio de tentativa e erro, são obtidos princípios construtivos baseados na experiência. É por isso que a preservação e continuidade da arquitetura tradicional não significa que o passado seja estabelecido como um dogma imutável. Ao contrário, a arquitetura tradicional, especialmente devido ao seu caráter funcional, possui princípios que devem ser superados quando surge uma solução melhor. No entanto, enquanto essa evolução ou solução não se apresentam, esses princípios tradicionais precisam ser preservados e sua continuidade assegurada.
Por tudo isso, é possível criar ambientes e edificações que estejam em uma maior harmonia com a cultura e tradição local, respeitando os recursos naturais disponíveis e seu custo-benefício. A arquitetura tradicional pode ser ignorada pelos jovens estudantes ou por alguns acadêmicos, do mesmo modo que jovens artistas, inebriados pelas novidades conceituais dos modismos contemporâneos, tendem a desprezar a arte popular e os mestres de ofícios tradicionais. Entretanto, os mais experientes consideram fundamental o contato próximo com carpinteiros, mestres de obras, de ofícios e artesãos que dominam as tradições e habilidades práticas, o mais cedo possível.
Assim como a arquitetura necessita de respostas às condições locais, a arte também apresenta fundamentos enraizados nas especificidades regionais, independentemente de ter ou não relações diretas ou influências internacionais. A arte popular, como primeiro exemplo, se afirma nas tradições locais que avançam pelas diversas gerações que se sucedem, como nos recorda Luís da Câmara Cascudo no livro Contos tradicionais do Brasil (1999): reconhece-se nos contos tradicionais brasileiros elementos medievais que se preservaram paralelamente às mutações na Europa, ou seja, o autor apresenta textos e versões de estórias brasileiras similares aos contos de fadas europeus, porém com a raiz arcaica que se separou da matriz, gerando uma nova fonte autêntica, que pode estar ou não mais perto das antigas referências medievais. É possível afirmar que a arte popular conserva uma relação profunda com a arte erudita, e vice-versa, mesmo que esses termos possam ser desacreditados por alguns. O brasileiro tem como costume evocar a arte popular quando necessita de ícones e símbolos nacionais, de influências e matrizes diversas, como vemos no artesanato do Vale do Jequitinhonha ou nas xilogravuras dos cordéis nordestinos. Entretanto, a arte tradicional ultrapassa os limites tênues entre a arte e o artesanato, alcançando significados complexos e eruditos que envolvem iconografia e tradições. A arte moderna contribuiu para abraçar a arte popular, e isso é um ponto muito positivo. Há beleza na liberdade impressionista de Monet e nas pinturas fauvistas de Duffy. A mesma beleza está no lirismo de Guignard ao observar a paisagem mineira e nos bons artistas naifs que contribuem para uma linguagem artística nacional e internacional. A arte tradicional não significa propriamente o desenho clássico, mas o desenho clássico é uma arte tradicional. Técnicas artísticas tradicionais não se atrelam necessariamente a uma linguagem clássica, mas se encontram em praticamente todas as histórias das civilizações, como nos mostram os padrões decorativos artístico-arquitetônicos encontrados ao longo das grandes civilizações históricas, como os trabalhos em mosaico, afrescos, pedra dura, estuques, entre outros.
A arquitetura tradicional, vista como uma cultura secular e conservadora em vez de apenas replicar estilos históricos, revela um novo humanismo ao priorizar valores humanos duradouros e o bem-estar gerido localmente de acordo com as demandas das comunidades. Alinhando-se com algumas propostas do Novo Urbanismo e do Regionalismo Crítico, a arquitetura tradicional almeja a criação de ambientes humanos que promovam conexão, sustentabilidade e um senso de pertencimento. Essa abordagem rejeita a obsessão modernista pela tábula-rasa e pelo “novo pelo novo” e busca construir com base na sabedoria dos princípios arquitetônicos tradicionais. A beleza importa, pois aproxima e conecta valores que contribuem para a autopreservação e conforto dos ambientes. Elementos de transição, como cornijas, capitéis e molduras podem ser repensados de acordo com os tempos atuais.
Uma característica marcante de parte do pós-modernismo na arte e na arquitetura, especialmente, é a repetição de formas passadas, encorajando a criação de edifícios que misturam estilos históricos sem um período definido. Essas construções frequentemente apresentam formas que não possuem uma explicação funcional aparente, priorizando uma estética duvidosa em detrimento da prática ornamental histórica ou tradicional. A confusão que pode ser gerada entre a arquitetura tradicional e a arquitetura kitsch necessita de atenção, pois não é difícil encontrarmos debates que relacionam o tradicional com o mau gosto. Edifícios neoclássicos desproporcionais, afetados, fingidos e evidentemente desprovidos de proporções não podem ser definidos como tradicionais apenas pelo uso de ornamentação clássica ou medieval, por exemplo. A própria arquitetura modernista, quando emulada com aspectos formais e estereotipados, causa a mesma percepção negativa. No mesmo caminho, encontra-se o uso desmedido de materiais que emulam outros materiais, como gramas sintéticas, revestimentos e pisos evidentemente artificiais e falsos, tijolos adesivos, pedras adesivas, entre outros.
Vitrúvio, o célebre tratadista dos tempos do início do Império Romano, nos ensina os fundamentos de utilitas, firmitas e venustas: a teoria clássica da arquitetura que enfatiza a harmonia e os princípios de utilidade, solidez e beleza. Tratadistas como Alberti, Palladio e Serlio reforçaram a importância das ordens clássicas na organização das partes em relação ao todo, buscando a harmonia e a beleza por meio de proporções e ornamentações adequadas. Entretanto, a tríade vitruviana não está ultrapassada, sua atemporalidade baliza a observação de projetos de design e arquitetura, independentemente de atuação profissional nessas áreas. Essa tríade ainda permanece como uma balizadora para fundamentação crítica da análise de objetos de design ou espaços arquitetônicos. A beleza clássica sobreviveu a questionamentos do Iluminismo, do Romantismo e da modernidade, remetendo à tríade platônica do Bom, Belo e Verdadeiro. A beleza é considerada uma disciplina filosófica ancorada na razão, nos sentidos e na metafísica. É importante distinguir a Beleza, um universal, no sentido filosófico clássico, da beleza como um adjetivo cosmético e sedutor, que se opõe à primeira em certo sentido. O relativismo sobre a questão da Beleza pode ser debatido, mas a vasta bibliografia sobre o tema nos aponta direções mais sólidas.
Conforme aponto no meu livro Roma Antiga: para artistas, arquitetos e viajantes (2023), os romanos definiam pietas (piedade) como a virtude de cumprir o dever com o nosso país e com os nossos pais, onde devemos sempre tentar elevar a honra por meio de ações nobres e dignas, cumprir contratos e honrar promessas, além de demonstrar um sentimento de gratidão natural por aquilo que nos foi dado e transmitido, e que a nós foi confiado para que transmitamos às futuras gerações. Um edifício, nesse caso, no sentido do patrimônio histórico, pode tornar-se símbolo visível de uma continuidade histórica, um marco, como o Panteão, em Roma, ou a catedral de Chartres, na França, ou o Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte. Entretanto, a conservação de práticas artísticas e construtivas atemporais se enquadram da mesma forma, pois não se superam simplesmente frente aos avanços puramente técnicos e tecnológicos e, principalmente, por ideologias revolucionárias que recortam aspectos da realidade limitando-a a um leque de interesses próprios.
Por fim, meus caros, elogio a iniciativa dos mais jovens e dos mais experientes arquitetos e artistas que se juntam à causa nobre do IBAT. Inspirado por organizações internacionais como o INTBAU, entre outros, o IBAT busca unir aqueles que estão envolvidos no planejamento, construção, preservação, estudo e apreciação da arquitetura, arte e comunidades tradicionais. Por intermédio da associação, de ações concretas e de divulgação de nossos princípios, fortaleceremos nossa posição e nos tornaremos autoridade respeitada nesse campo. Como pintor, desenhista e professor de história da arte, espero contribuir muito mais para esta frutífera comunidade. Até!
Revisão do artigo: Camila Bernardino | Edição do artigo: Bruno Minchilo