Surge um novo movimento na arquitetura brasileira

Após sete anos ensinando teoria e história da arquitetura, posso concluir enfaticamente que o estudante da disciplina no Brasil – assim como os arquitetos formados – ainda não conhecem verdadeiramente a arquitetura brasileira. O que não é surpreendente, afinal, nos últimos 100 anos, a ideologia tomou conta das universidades espalhadas pelo país, limitando as disciplinas de teoria e história às vanguardas modernas do começo do século XX.


Como consequência dessa visão restrita, predomina na academia e toma parte significativa do curso o estudo de Niemeyer, Costa, Artigas, Paulo Mendes e outras figuras da arquitetura modernista. Não há problema em estudar esses nomes e as suas obras, todos eles têm a sua importância dentro desse movimento no Brasil.  No entanto, a arquitetura brasileira possui mais de cinco séculos de um rico passado construtivo – passado esse que tem sido completamente negligenciado pelos círculos acadêmicos. Ademais, é justamente por essa hegemonia presente nas faculdades que hoje não existem discussões mais amplas sobre como construir no Brasil. Em suma, entramos num ciclo onde os professores aprenderam a pensar aos moldes modernos, os alunos são treinados assim e, como consequência, projetam e propagam a mesma visão.

 

Por outro lado, residindo na Inglaterra há alguns anos, tive contato e pude participar de diversos grupos e instituições, tais como o INTBAU e a Prince’s Foundation, que me colocaram dentro do debate entre arquitetura tradicional e arquitetura modernista. Esses grupos e associações de arquitetos, engenheiros e artistas tradicionais vêm ganhando força e relevância na Europa, tendo o Architectural Uprising como principal frente de oposição às vertentes modernistas no Velho Mundo. Participar de tais grupos e manter diálogos com as suas lideranças foi uma experiência muito positiva e me fez perceber o quanto o Brasil está atrasado nessa discussão. Somos um país com 220 milhões de pessoas e com centenas de faculdades de arquitetura que só ensinam uma maneira de projetar.

 

Diante disso decidimos fundar o IBAT (Instituto Brasileiro de Arquitetura Tradicional), um instituto pioneiro que atuará na promoção e conservação da arquitetura tradicional no Brasil. Para explicitar o seu propósito, assim como a necessidade de sua existência, escrevemos um manifesto que sintetiza a forma como o IBAT pretende colaborar para o bom desenvolvimento da arquitetura brasileira.

 

Cordialmente,
Bruno Perenha – Presidente do IBAT. 

IBAT – MANIFESTO | 1º de Julho de 2023

O IBAT (Instituto Brasileiro de Arquitetura Tradicional) nasce como uma associação brasileira de indivíduos e instituições dedicados ao desenvolvimento de uma arquitetura humanizada, calcada em valores e princípios que respeitem as tradições e as características locais. Esta iniciativa visa, sobretudo, criar e promover espaços habitáveis com o poder de irradiar os sentidos de pertencimento, beleza e equilíbrio com o meio circundante, natural ou construído.

 

Os métodos de construção locais, regionais e nacionais exprimem a singularidade dos povos diante do avanço da globalização. Através das tradições materiais e imateriais, podemos preservar o nosso sentido de identidade e evitar a dissociação dos indivíduos e comunidades de seus respectivos valores. A experiência acumulada pelas tradições compreende o legado que nos permite fortalecer o espírito comunitário e, como consequência, preenche as nossas vidas de sentido e nos oferece recursos para responder às demandas cotidianas num mundo cada vez mais pautado por aquilo que é efêmero.

 

As vanguardas artísticas do século XX abriram caminho para o inverso do que acreditamos ao identificar arquitetura tradicional como um legado a ser superado pelo desenvolvimento tecnológico, fazendo tábula rasa de séculos de experiências técnicas e estéticas que evoluíram a partir de tentativa e erro. O resultado desse ímpeto notamos no urbanismo moderno, cujo fracasso acelerou a sua obsolescência e a desumanização das cidades. Nesse sentido, acreditamos que o desenvolvimento da tecnologia deve estar alinhado com o espírito de preservação das tradições construtivas, empregando esforços para alcançar os meios necessários que garantam a sua longevidade.
 

Por fim, o IBAT pretende formar um centro aglutinador de arquitetos, construtores, artistas, professores, intelectuais e outros agentes que de modo ativo desejem contribuir para a qualidade e identidade da arquitetura brasileira. Através de ações concretas e divulgação de princípios e valores estéticos, culturais e humanistas, pretendemos consolidar-nos como uma referência para a arquitetura e urbanismo tradicional no Brasil.

Revisão do artigo: Camila Bernardino | Edição do artigo: Bruno Minchilo 

Sobre o autor:

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Bruno Perenha

Bruno Perenha é presidente e fundador do Instituto Brasileiro de Arquitetura Tradicional (IBAT). Possui graduação em Arquitetura e especialização em História da Arquitetura pela Birkbeck, Reino Unido, e está fazendo mestrado em Conservação de Edifícios Históricos pela Universidade de Notre Dame, EUA.